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Postado 10 de novembro de 2010

MANIFESTO PÚBLICO DO COSEMS/RN AO GOVERNO ELEITO PARA GESTÃO

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Ainda comemorando 20 anos de criação, faz-se importante lembrar que o Sistema Único de Saúde (SUS) é o ponto de convergência de um processo social que pautou a saúde como direito coletivo a luz da constituição de 1988, que se realiza pela universalidade, integralidade, equidade da assistência e demais outros princípios não menos importantes.

 

A estruturação do SUS possui requisitos básicos que impactam o processo de gestão, que de fato, é um campo de grande complexidade, envolvendo dilemas e desafios diversificados.

 

Considerando o conhecimento do SUS real, podemos afirmar que há uma tensão permanente entre a ideologia proposta pela reforma Sanitária e o projeto em construção.

Um dos possíveis caminhos de superação deste conflito certamente passa pelo reconhecimento da sociedade e gestores de pensarem a saúde como um bem e um projeto social. É necessário, portanto, retomar os conceitos da RSB que não se limitam à construção do SUS, mas ao aumento da nossa capacidade para interferir crescentemente na determinação social da doença. E os sujeitos deste processo são os usuários, os trabalhadores da saúde e nós, GESTORES.

O SUS é uma política de estado, portanto, suprapartidária. Entretanto, cabe aos governos, na dependência de sua capacidade e compromisso, desenvolver políticas que permitam aperfeiçoá-lo, qualificá-lo, combatendo as iniqüidades, reduzindo as desigualdades e ampliando o acesso. As nossas ações e experiências de luta na perspectiva de um Sistema de Saúde Universal e integral demonstram um saldo positivo em vários aspectos relacionados aos indicadores gerais de saúde, a inclusão social, ao aumento de procedimentos realizados, dentre tantos outros avanços já conquistados aqui no nosso Estado, que traduzem, ainda que discreta, mas, a melhoria da qualidade de vida de nosso povo, pois antes muitos nasciam e morriam sem sequer ser CIDADÃO.

Enquanto indicador de referência para essa análise, têm-se o Coeficiente de Mortalidade Infantil que foi reduzido em cerca de 32% ao longo dos últimos seis anos, passando de 21,2/1000 NV para 14,5/1000 NV.

Porém, apesar dessa conquista, preocupam ainda outros indicadores que apontam para condições de vida iníquas em nosso estado, remetendo às intervenções multifocais, visando impactar sobre situações que envolvem não somente ações diretas da assistência, mas a construção de cenários que viabilizem a qualidade de vida dos potiguares, reduzindo distorções e situações desfavoráveis como a violência, a pobreza, a indigência, dentre outras questões de interesse.

Considere-se como importante também a análise do perfil de morbimortalidade no estado, em que se apresenta uma realidade em que as causas externas estão em terceira posição, muito próximas das mortes motivadas por neoplasias e por doenças do aparelho circulatório.

O Cosems traz alguns pontos que considera fundamental para conversarmos sobre o futuro do SUS no RN, obviamente sem deixar de considerar e ressaltar a importância das ações, propostas e atitudes da atual gestão. Mas ainda temos muito a avançar:

 

·         A lei 8.080, em 1990, trouxe algumas considerações para que o Sistema Único de Saúde fosse capaz de viabilizar o direito do cidadão. No entanto, ela foi retalhada, principalmente no que diz respeito à questão do financiamento. O artigo 35, que dava regras claras para o financiamento da saúde, foi vetado à época. Nós aguardamos dez anos para fazer uma emenda constitucional, a emenda 29, que já podia ter dado um passo importante em relação ao financiamento, mas houve, infelizmente, o entendimento de que ela precisava de uma regulamentação infraconstitucional. Nesse sentido, nós estamos a outros dez anos esperando pela regulamentação, desde 2000. Isso poderia ser um passo importante para minorar o subfinanciamento contra o qual vem lutando o nosso Sistema Único de Saúde. Ressalte-se que o estado com gasto em média de 16,34% e 70% dos municípios com média acima de 20% dos orçamentos com saúde (SIOPS)

 

·         A partir de 2003, nós começamos a discutir um novo Pacto pela Saúde e o celebramos em 2006 com um compromisso entre os entes federados que o compõem, que conduzem o Sistema Único de Saúde, do Pacto pela vida, do Pacto de gestão e do Pacto em defesa do SUS. Considere-se que houve 100% de adesão ao pacto de direito por parte das municipalidades,porém ainda não se percebe um estímulo suficiente para adesão e plenitude de fato. É positiva a mobilização do estado para PPI e formulação de propostas estruturantes como o PDR e o fortalecimento regional a partir dos CGR que tem dado mostras de avanço, porém, muito há que se galgar para oferecer sustentabilidade em todas as regiões do estado, como fortalecer as URSAPs, fazer acontecer o PDI, tanto do ponto de vista estrutural quanto de articulação intraestadual com fortalecimento de redes solidárias e funcionais para o cuidado. Um exemplo dessa situação é a necessidade de uma iniciativa promotora de associações tipo consórcio intermunicipal, com a necessária orientação da gestão estadual para sua formação e operacionalização.

 

·         É imprescindível hoje que a ocupação dos cargos diretivos ocorra segundo critérios técnicos, mediante o estabelecimento de exigências para que sejam enfrentados os dilemas da relação público-privada que incidem  no financiamento, nas relações de trabalho, na organização, na gestão e na prestação de serviços de saúde. Deve ser prioridade máxima garantir um melhor financiamento para média e alta complexidade, aumentando a oferta de leitos, para que possamos diminuir as filas de consultas e exames especializados, sempre também lembrando da execução e o aumento nominal do financiamento para cirurgias eletivas para que, posteriormente, elas não nos dêem um maior trabalho, gerando ainda um maior custo para o setor saúde.

 

·         Também, dentro do Pacto pela saúde, nós nos comprometemos a fortalecer a atenção primária em saúde como eixo norteador de todo o modelo de atenção a saúde e indutor da organização das redes de atenção, onde seriam colocadas todas as linhas de cuidado com o usuário. Então é preciso que nós tenhamos estratégias concretas de fortalecimento da atenção básica para que, finalmente, nós consolidemos o SUS e façamos da saúde o direito da cidadania. Atualmente, temos cerca de 80% de cobertura da ESF no Estado, onde este garante o aporte de recursos através da Portaria nº 166/2009 que tem se caracterizado como avanço, no entanto, há necessidade do repasse regular e automático desse incentivo como uma das estratégias para reforço dos municípios em manter em funcionamento a Atenção Primária, uma vez que para manter as equipes, os municípios aplicam em torno de R$ 20.000 a 25.000 mensais por equipe, sendo fundamental a responsabilização solidária e tripartite. Há que se promover mecanismos que resolvam problemas relacionados à desprecarização e fixação de equipe mínima, pois é fato inegável as dificuldades de fixação de profissionais, em especial a categoria médica, na capital, na região metropolitana, bem como em todos os municípios, quer sejam de pequeno ou médio porte. Como proposição, há que se estudar a viabilidade de concurso estadual de base local e o serviço civil obrigatório em saúde. Outra via de resposta é a operacionalização real do que dispõe a Portaria GM/MS nº 648/2006 que trata da Política Nacional da Atenção Básica, no sentido de que se torne uma diretriz e não um instrumento que penalize e puna os municípios.

 

·         Ressaltamos como importante a ação do estado em assumir a complementariedade do valor da tabela para pagamento de procedimentos cobrindo a parte dos municípios – MAC aos prestadores de serviços, dentre eles as cooperativas, possibilitando a continuidade da assistência em todo o território. Portanto, deve ainda, pautar o conjunto de prioridades da Gestão Estadual o redimensionamento da REDE para diminuir as tensões dos vazios assistenciais, enfocando o esforço coletivo na implantação e implementação de serviços próprios na rede pública. Também cabem providências para a correção da situação crítica dos hospitais regionais, caracterizados como ilhas pouco resolutivas, necessitando de reestruturação com vistas a conter a demanda de urgência/emergência e clínicas nas regiões. Da mesma forma, há a necessidade de garantir o apoio financeiro aos CEOS, CAPS, centros de reabilitações, Policlínicas, hospitais municipais, APAMI, unidades de urgência/emergência, sendo crucial para obtenção das respostas necessárias. Sem essas providências, mesmo com a atual pactuação em PPI é concretamente impossível cumprir com a integralidade do cuidado.

 

·         É importante salientar que em torno de 70% da força de trabalho está na responsabilidade do município. É preciso adotar medidas tripartites que qualifiquem a gestão/atenção, garantindo a valorização do trabalho em saúde por meio da democratização das relações de trabalho de acordo com as diretrizes da Mesa Nacional de Negociação do SUS. Temos de avançar na desprecarização dos vínculos, fazendo com que todos os municípios tenham condições de implantar cargos, carreiras e salários para valorizar os nossos profissionais e a força de trabalho do SUS. Isso ajudará a suprir uma grande lacuna que o setor saúde tem hoje que é a fixação de profissionais e os processos de humanização do SUS.

 

·         Há também a necessidade do compromisso de trabalharmos, na Câmara e no Senado, a flexibilização para os municípios quanto à lei de responsabilidade fiscal  para o setor saúde. E tudo isso só será possível  se nós tivermos esse compromisso e, efetivamente, a mão estendida tripartite, e solidária por parte do estado.

 

·         Que os recursos a serem transferidos aos municípios sejam, prioritariamente, fundo a fundo, com prestação de contas facilitadas, diversas da modalidade convenial, que envolvam o estabelecimento de um termo de relação entre as instâncias gestoras do SUS e os serviços de saúde, no qual estejam fixados os compromissos e deveres entre essas partes, dando transparência sobre os valores financeiros transferidos e os objetivos e metas a serem alcançados, em termos da cobertura, da qualidade da atenção, da inovação organizacional e da integração no SUS, em conformidade com as diretrizes do Pacto de Gestão, aprovados nos CGRs e CIB;

 

·         Por fim não se pode conceber uma arena de embates entre os entes públicos na perspectiva de se fazer cumprir os preceitos normativos do SUS, uma vez que, por missão constitucional, o olhar do Judiciário e dos membros do Ministério Público e dos Tribunais de Contas são preponderantes para manutenção da ordem pública, no entanto os gestores públicos, especialmente do SUS, tem sido alvo de questionamentos e demandas desses órgãos, especialmente pela compra de medicamentos (destaque para dificuldades neste aspecto com quantitativos e diversificação de itens contra parcos recursos) ou de serviços assistenciais (inexistência e insuficiência de quantitativos) em caráter de urgência e emergência, dispensando o procedimento de licitação, ou mesmo na terceirização de serviços, sem o prévio planejamento, em detrimento dos interesses da coletividade. Empreende-se hoje uma luta em favor do equacionamento entre as necessidades infinitas e as condições finitas para provê-las. A gestão pública da saúde precisa assumir sua missão normativa de forma a promover os meios técnicos e coerentemente viáveis para resolução das questões, antes que os órgãos da justiça o façam.

O papel do estado para com os municípios no co-financiamento e na assessoria é indispensável. Desta forma, nós teremos a certeza que diminuiremos as manchetes “escrachadas”  que ainda denigrem o Sistema Único de Saúde. Sistema esse, que nós que aqui estamos nos esforçamos, de todas as maneiras, pra fazê-lo ser o melhor possível a nossa população e temos a certeza que o fazemos, pois não podemos deixar morrer a maior conquista social do povo.

Por fim, queremos dizer que o COSEMS do RN, aqui representando todos os gestores da saúde continuará estabelecendo um clima de parceria e harmonia. Necessário para isto que o governo eleito esteja disposto efetivamente a fazer uma gestão democrática. Precisamos estar todos próximos construindo e somando projetos, sonhos, dúvidas e sucessos. Reafirmando e ao mesmo tempo já agradecendo as parcerias com a FEMURN, SESAP, UFRN/NESC, órgãos de fiscalização e controle do SUS e, principalmente, as SECRETARIAS MUNICIPAIS, bem como, tantos outros que sempre estão num processo de colaboração mútua para que todos os esforços resultem na qualidade da vida dos nossos semelhantes. À luz do poeta Agostinho Neto:

“Não basta que seja pura e justa a nossa causa; é preciso que a pureza e a justiça estejam dentro de nós”

                                                                                 

Solane Maria Costa – Presidenta

 

Natal/RN, 10 de novembro de 2010.